Vale a pena ler todo e qualquer livro?

Nenhum professor pode aprender no lugar do aluno; apenas o aluno pode aprender por si mesmo. O que um bom professor pode fazer é expor a verdade e o passo-a-passo para se chegar até ela, na ordem correta, possibilitando ao estudante segui-lo pari passu rumo à verdade, que o aluno então vislumbra com a luz de sua própria inteligência.

É isso que uma boa história faz, por meio de experiências individuais concretas nas quais o leitor participa vicariamente (ou seja, colocando-se no lugar dos personagens), e não por meio de proposições universalmente verdadeiras que conduzem a uma conclusão. Porém, é fundamental perceber que, em uma boa história, as experiências individuais são materializações, ou encarnações, da verdade universal.

Em uma boa história, o modo pelo qual o autor representa os objetos leva o leitor a contemplá-los de maneira verdadeiramente iluminadora. O artista tem uma vantagem sobre a natureza: ele pode trazer à tona e evidenciar o que, na natureza das coisas, está no íntimo e escondido; ele pode fazer com que as coisas pareçam o que são. A heroína da história pode ser bela e boa, e o herói pode ser corajoso e belo. Sua aparência exterior combina com seu caráter interior. Evidentemente, isso não nos transmite um conhecimento, mas uma apreciação correta, um senso correto. Isto segue a ordem natural da formação da nossa mente e do nosso caráter. A inclinação precede o hábito, e a descoberta precede o juízo. As boas histórias dão ao leitor a experiência e lhe mostram, de modo personificado, o que é a virtude e como ela se apresenta. (…) Nossa experiência e compreensão da realidade se ampliam, se enriquecem e se orientam.

Em alguma medida, todas as artes fazem isso. Uma pintura, por exemplo, é uma representação de um aspecto da realidade, tal qual o é uma história. O que o pintor faz por nós é mostrar-nos um aspecto particular do objeto, ou compartilhar conosco uma percepção que ele teve sobre o objeto representado. Ele nos permite ver o objeto como ele, artista, o vê – que, muitas vezes, em uma pintura excelente, é uma maneira pela qual nós não veríamos sem o seu auxílio. Assim se amplia a experiência de quem vê; não apenas pela apresentação de objetos que de outro modo não seria possível ver – digamos, de algo que exista do outro lado do mundo –, mas também graças a um certo modo de apresentação que, de outro modo, permaneceria desconhecido de quem vê. Quando olho para uma tela de Thomas Moran, por exemplo, deleito-me com a imagem, ao mesmo tempo em que aprendo algo sobre a importância da luz e sombra para uma apreciação mais completa da natureza. Posso universalizar essa lição e aplicá-la a outros campos.

Mas o que é uma boa história?

Muito tempo atrás, Aristóteles definiu o que vem a ser uma boa história. Ele afirma que é uma imitação da ação e da vida (Poética 1450a16), e uma imitação do agente da ação em função daquela ação (ibid. 1450 b4).

O contador de histórias não é um historiador

Ele também observa que o contador de histórias não é um historiador. Seu trabalho é mais nobre, porque mais filosófico e mais universal: ele ensina a verdade universal. Isso requer que a verdade seja apresentada como um todo; a história como unidade, com um começo, meio e fim, deve ser apresentada de maneira intacta.

Ora, o historiador distingue-se do poeta [o contador de histórias] por falar daquilo que de fato aconteceu, enquanto o poeta fala de espécies de coisas que poderiam acontecer. Neste sentido, a poesia é mais filosófica e mais grave do que a História, pois a poesia fala do que é universalmente verdade [ainda que aquilo de que fale possa ter de fato ocorrido em determinadas circunstâncias concretas], enquanto a História fala apenas de acontecimentos particulares que de fato ocorreram. (Poética 1451b1-10)

A História é particular; a literatura é universal. G. K. Chesterton diz isso de outra forma: um bom poeta, ou contador de histórias, tem a capacidade de proporcionar aos seus leitores “um glorioso vislumbre das possibilidades da existência” (Autobiografia). Mas essas possibilidades têm de ser possibilidades, isto é, devem ser consistentes com a realidade.“Se você desenhar uma girafa, deverá desenhá-la com o pescoço comprido. Se, na sua ousada criatividade, você se considera livre para desenhá-la com o pescoço curto, então a verdade é que você não é livre para desenhar uma girafa” (Ortodoxia).

As histórias e a ordem moral

As verdades universais que interessam ao contador de histórias relacionam-se, acima de tudo, com a ordem moral. Uma vez que as histórias abordam ações humanas, e ações humanas são boas ou más, as histórias deverão retratar as ações dos personagens nesse contexto.

No livro A Landscape with Dragons [“Uma Paisagem com Dragões”], Michael O’Brien afirma: “O sol pode ser verde, e os peixes voar pelos ares; não importa o quão fantástico seja o mundo imaginado, nele se mantém a fidelidade à ordem moral do nosso próprio universo.” As histórias que lemos para nossas crianças devem refletir a ordem moral real, porque é isto que elas ensinam, à sua maneira de ensinar.

Alguns podem alegar que os maus levam a melhor neste mundo, ou que todos nós somos uma mistura de bem e mal, e uma boa história deveria levar isso em conta. É verdade, mas uma história – que não é um relato histórico – deve espelhar a realidade última, e não a passageira e acidental inversão da ordem moral. As pessoas podem até ser uma mistura de bem e mal, mas os maus devem ser vistos como algo ruim – o que, em uma história, significa que as consequências das más ações têm de ser apresentadas de maneira inteligível.

O que uma boa história pode fazer por seu filho?

A filosofia começa com a experiência comum e com uma reflexão sobre essa experiência. As histórias fornecem as experiências certas, experiências moralmente ordenadas, para que se possa refletir com proveito. É isto que a boa leitura de uma boa história pode fazer por você: expandir sua experiência, de forma segura; mostrar, em personagens e ações concretos e particulares, como são afinal os princípios universais em sua existência na vida real, e preparar a mente e o coração para o encontro com esses mesmos princípios em sua forma universal. Isso mobiliza a mente e o coração do leitor em direção à verdade.

Eis o fundamento filosófico, por assim dizer: as histórias são naturais para o homem porque a natureza humana é composta. Composto de corpo e alma, o homem participa tanto do mundo material quanto do mundo espiritual. Seu conhecimento intelectual emerge das sensações e continua a depender delas. Todo o aprendizado depende da experiência sensível. O homem precisa aprender o que conhece, ou ordenar o que conhece – pouco a pouco, conhecendo as coisas em uma espécie de confusão a princípio, e só então conhecendo-as distintamente.

As coisas mais difíceis de conhecer – coisas mais distantes do imediatamente sensível – devem frequentemente ser apreendidas por uma semelhança, antes que possam ser apreendidas em si mesmas. [O uso frequente de parábolas por Nosso Senhor ilustra essa necessidade.] Algumas coisas, é claro, podem ser apreendidas tão logo as primeiras imagens, ou as primeiras formas, se apresentem. É possível entender, já num primeiro encontro com o ser, que o todo é maior do que as partes, por exemplo, ou que algo não pode ser e não ser no mesmo sentido e ao mesmo tempo. Mas uma compreensão da justiça e da beleza, do certo e do errado, do sacrifício e da ambição, dependerá do que o aluno encontrar em seu ambiente, incluindo o que ele lê.

O jovem precisa ter a experiência dessas qualidades imateriais para que possa entendê-las. Algumas dessas experiências virão no dia-a-dia, mas a leitura de boas histórias pode somar-se a elas. E, como eu disse anteriormente, as boas histórias ajudam o leitor a ver de uma maneira guiada, uma vez que a história na verdade põe em relevo aqueles conceitos importantes de modo a dirigir a atenção do leitor para eles.

Trecho de conferência de Laura Berquist para o Institute for Catholic Liberal Education, de julho de 2006, sob o título “Reading literature to reveal reality”. Traduzido para o blog Como Educar Seus Filhos.

Fonte: http://comoeducarseusfilhos.com.br/blog/vale-a-pena-ler-todo-e-qualquer-livro/

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